"Estou evitando olhar para você.
Embora eu faça isso, ainda ouço o tom da sua voz ecoando pela sala lotada e alcançando
não só os meus ouvidos, mas o de todos. Sua figura me desconcerta! Mesmo no
escuro sou capaz de sentir sua presença, perceber seus passos em direção à
porta, sentir o seu perfume. Constantemente lembro-me do seu abraço. Tentei
fazê-lo durar uma eternidade, mas sei que acabaria em segundos, enquanto eles observavam. O que mais me dói é perceber que você será apenas uma
passagem, a lembrança de um amor que jamais se realizaria. Sei que você voltará
para suas viagens excêntricas, para suas paixões fugazes e eu permanecerei em
meu fantástico mundo da imaginação, tentando acreditar que um dia serei digno
de ter alguém como você.
Os finais são sempre os mesmos, o
que altera é o percurso. Não posso ser injusto e dizer que não tive momentos de
lucidez. Seria muita imaturidade fingir que apenas me embebi de uma paixão
venenosa. Mas foi buscando sinais, tentando observar um olhar diferente ou
mesmo um afago que construí uma nova perspectiva dentro de mim mesmo. Perspectivas
vãs que nada tem clareado o meu caminho, mas antes o obscurecendo ainda mais.
Está chegando ao fim. Sei que
você já percebeu uma mudança em mim e, por eu ter plena consciência dessa
verdade que agora se instalou, meu coração se dilacera. Mas, querido, se você
pudesse ler minhas palavras e entender o que se passa dentro desse receptáculo vazio,
a razão que eu sempre me dei por me refugiar na frieza seria a mesma que você
daria se estivesse em meu lugar. Mas você não está e isso me alegra. Não sei se
você já se sentiu em uma prisão sem muros, mas garanto-lhe que não é a melhor
das sensações. Esse é o momento em que toda minha felicidade se esvai, mas com
ela também se vai todas as tristezas e o que recebo em troca é um estado anestésico. Não sentirei dor, mágoa, melancolia. Apenas sentirei o nada, se é
que é possível senti-lo. E talvez haja um recomeço, mesmo que recomeçar não
tenha sido começar a ser, mas continuar não sendo."