“Não consigo dizer se ter
enxergado o mundo como ele realmente é foi algo bom. Às vezes penso que ter
ficado na ignorância era a melhor saída. A cegueira se foi e agora vejo-me em
uma profunda nostalgia. Sinto falta daquele menino que eu era. Sonhador,
esperançoso e que acreditava no amor. E foi esse amor que me traiu, que me fez ver
que eu me encontrava em uma fantasia. Agora estou aqui, no mundo real. Mas ainda
me pego vislumbrando pedaços daquele mundo em que eu vivia. Pedaços sim, porque
tudo desmoronou. Mas não me machuquei, foi mais um susto mesmo. Tente entender,
é como se fosse um quebra-cabeças. Só que neste as peças não se encaixam, ficam
sozinhas, sem um par, embora eu consiga relembrar através delas a imagem que
anteriormente existia.
Esses dias mesmo eu estava em um
ônibus e ao olhar pelo vidro da janela avistei uma van, na qual havia uma
criança. Ela olhou para mim e sorriu. Após o belo sorriso, um aceno de mão foi
seu último ato. Pois saibam que eu retribuí o sorriso, bem como o aceno. E são estes
pequenos atos que me fazem acreditar, mesmo que por um breve momento, que o bem
ainda está em meio a tanta maldade. A alegria dessa criança me fez chorar, me
fez entender e ser entendido. Mas agora os dias estão frios, minha cama está
fria, meu corpo está frio, minha alma também. Jamais pude imaginar que um dia
eu chegaria a esse ponto. Mas cheguei. Peço desculpas se sou incapaz de ser
como eu era, e por ter desacreditado em mim. Estou desaparecendo com essa névoa
que me encobre. Estou me tornando uma lembrança longínqua. Espero que o seu
destino não seja como o meu. Espero que você continue nesse labirinto que reside
seus mais lindos sonhos, e torço para que ele não tenha uma saída."
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