quinta-feira, 27 de dezembro de 2012

Águas Tortuosas



"Não ouço barulhos externos, sequer o som da minha própria voz. Ouço apenas a única canção que me faz chorar. E em meio a tantas sensações, avistei – todo de azul, mas em tons diferentes – uma pessoa parecida comigo. Um homem, um pouco mais velho, mas sua aura era idêntica à minha. Eu pude sentir suas dúvidas, seus anseios. Mas o que me chamou mais atenção foram seus olhos. Eles demonstravam tristeza e distância. Daria tudo para chegar diante dele e dizer: eu sei o que você está sentindo! Mas o encontro de nossos olhos dispensou qualquer comentário. Digo mais, qualquer intenção que eu tivesse de me expressar.

Agora percebo que todas as janelas estão abertas. O calor se foi, mas as lágrimas não. Elas estão contidas, esperando o momento propício para caírem sobre meu rosto. As luzes me cegam, os olhares também. Está tão aparente assim minha solidão? O rapaz de azul saiu pelas portas centrais do ônibus. O sinal tinha sido apertado por ele. Não percebi! Queria observá-lo mais um pouco, na esperança de reconhecer nele a minha própria imagem.

Ele se foi e cada passo ao descer as escadas era como uma faca penetrando minha alma. Era a certeza de que, assim como eu, muitos outros encontravam-se perdidos. Seria egoísmo se eu esboçasse um sorriso? Seria um crime sentir-me aliviado por saber que há mais integrantes neste barco que veleja por águas tortuosas? Junto a tudo isso tive a certeza de que não haveria respostas para mim.

Aproxima-se meu ponto de parada. Ao menos há algo claro e objetivo diante de tantas conjecturas. Um ponto de ônibus. Algo estático. Que serve também como ponto de partida e, às vezes, para destino algum."

3 comentários:

  1. Adoro tudo q vc transmite, mesmo q seja triste!

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  2. Não parece que o ponto de onibus era a única certeza? Aquilo que lá permaneceria, implacável? pois é certo que aquilo que sentimos bem como a relação com a falta pode sempre mudar, mas às vezes o nossa história nos diz que não.

    Gosto de encontrar beleza em histórias tidas por tristes. Não porque são ou não o são, mas por transmitirem, tantas vezes, um sentido de realidade.

    Gostei muito do que li! =)
    Um abraço,
    www.cinefreud.com

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    1. Renato, que prazer eu tive ao ler seu comentário. Obrigado pelo elogio e espero que você possa passar mais vezes. Será sempre bem-vindo.

      Quanto à sua pergunta, sim, a única certeza era o ponto de ônibus. Nossos sentimentos, como foi bem pontuado por você, podem sempre mudar. E se eu fosse escrever algo neste momento, acredite, seria com um sentimento muito mais esperançoso da vida. O total oposto do final dado a este relato.

      Mais uma vez obrigado!
      Um forte abraço. =)

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