“Tudo começou com grãos de areia sobre meus pés. De repente, a água do mar
limpava-os. O céu estava com um tom azul nunca visto antes por mim. O sol
brilhava, e era tão bom sentir aquele calor em minha pele. Então, vi a imagem
de alguém que parecia ser minha paixão. Eu podia sentir, pois meu corpo ardia,
e meu coração estava acelerado também. Eram sinais, com certeza! Eu apenas não
reconhecia o rosto. E essa pessoa me presenteou com deliciosas barras de chocolate.
Posso sentir a emoção daquele momento agora mesmo. Pode parecer algo fútil para
muitos ganhar barras de chocolate. Mas não se tratava delas, mas sim da intenção.
Há muito tempo não me sentia bem quisto. Mas tudo isso foi um sonho, porque até
os meus olhos agora inventaram de me trair. Até eles!
Acordei de mais uma noite de sábado, e eu só sabia que era sábado por
causa do maldito calendário. Ainda o arranco da parede do meu quarto! Não me
interessava saber qual dia era, porque todos eles se tornaram exatamente iguais
para mim. Daqui a pouco eu nem saberia diferenciar o dia da noite. Nem relógios
eu tinha mais. Apenas o biológico, que até então não falhou e por esse detalhe
consigo chegar no horário certo ao trabalho. Ah! Me esqueci do tal do celular.
Não tinha como! Por mais que eu tentasse fugir do tempo, ele não fugia de mim.
Eram 22h30 e Laura – a única amiga e pessoa que confio – me ligou. Ela quase
implorou para que eu saísse da cama e a encontrasse em um pub próximo de sua casa. Tentei resistir. Eu veria a mesma decoração, os mesmos rostos e de quebra ouviria as mesmas músicas. Mas eu devia um encontro a ela,
como eu não poderia ir? Impossível!
Levantei-me, tomei uma ducha e coloquei a primeira roupa que eu vi à
minha frente. Quando olhei para o espelho, eu estava todo de preto. Dizem que
as cores que utilizamos são reflexo de nosso humor. Bom... nem preciso dizer
que o meu estava negro, certo? Porém, aquilo não me incomodou. Eu era o retrato
da depressão. Só havia uma pessoa que conseguia me tirar por um breve instante
desse mundo de tristeza. Isso mesmo! Apenas Laurinha. Peguei as chaves do meu
carro, desci do apartamento pelo elevador e me preparei para um percurso de 35
minutos. O som do meu carro tocava alguma música da Enya. Meu Deus! Aquilo era
mesmo o fim do poço? Não saberia responder! Cheguei ao local e recebi um abraço
tão gostoso da minha amiga. Ela estava deslumbrante com seu vestidinho amarelo,
em um lindo contraste com sua pele morena. Cumprimentei seus amigos e me sentei
à mesa. Pedi um vinho barato e simplesmente fiquei observando a conversa.
Gargalhadas, olhos brilhantes, batatas fritas, carnes, cervejas, beijos, amor.
Caraca! Não me lembrava da última vez que vi tudo isso reunido em um mesmo
lugar. Eu com certeza era o marciano da mesa.
Foi quando ele apareceu. Não o vi antes porque ele estava no banheiro.
Seu nome? Hugo. Não vou descrevê-lo, é melhor imaginar. Peguei em sua mão e o
saudei com um “boa noite”. Ele sentou-se próximo de mim. Bem que eu estranhei
aquela cadeira vazia. Era de se esperar que tinha um plano de Laura por trás
daquilo. O Hugo, junto a mim, parecia outro marciano. Ao menos não me
sentia sozinho naquele mundinho. Ele contou-me de sua vida. Quase um relato completo, - eu disse quase - e uma hora chegaria a minha vez. E quando chegou, simplesmente disse: “Desculpe-me,
está tarde. Preciso ir embora!”. Sim, eu sou assim. Fujo de tudo aquilo que
acho conveniente. Me despedi de todos, Laura agradeceu pela minha presença e
prometi reencontrá-la em breve. Fui em direção ao carro, e senti um toque - já
conhecido por mim – em meu braço. Te amaldiçoo Hugo! Sorri forçadamente e ele
perguntou-me: “Me dá uma carona?”. Não! Eu merecia aquilo. Às 3h da manhã. Não
quis ser arrogante, ou melhor, mais do que eu já era. E disse que sim, que eu
daria a carona. O silêncio tomou conta daquele automóvel de 4 rodas. Chegamos à
casa dele, que gloriosamente era perto da minha, e me despedi. Ele estava com
um olhar de “por favor, fique!”, mas fingi não ter visto. Ele se despediu de mim e fechou a
porta.
Quando arranquei o carro, a maldição dos 7 espíritos me atingiu. É... a
roda furou! Aquilo era demais pra mim. Eu não tinha um pneu reserva, tampouco
um macaco e isso tudo às 3 e pouca da madrugada. Foi um prato cheio para o
Hugo. Sugeriu que eu dormisse na casa dele e que no dia seguinte eu resolvesse aquilo. Claro que eu poderia chamar um táxi e ir embora. Mas parte de mim queria
ficar ali, com ele. Não presto, confesso! E deixei o clima falar mais alto. Entrei
em sua casa, linda por sinal, e por incrível que pareça me senti à vontade.
Hugo perguntou se eu queria beber algo, e eu disse que um suco estaria de bom
tamanho. Enquanto isso fui xeretar os porta-retratos que estavam em uma mesinha
de canto. E tinha uma foto dele, abraçado a um rapaz. Quando ele retornou com
meu copo de suco em mãos, o perguntei quem era. Nunca fui de bancar o curioso,
mas a foto chamou minha atenção. Ele disse sem hesitar: “Esse é meu parceiro.
Melhor dizendo: era! Ele faleceu há 4 anos”. Senti pela perda dele, mas tão
profundamente, que meu coração parecia sair pela boca. Não consegui conter as
lágrimas. Comecei a soluçar em meio àquela sala. Hugo pareceu entender, eu talvez
não entenderia. E com a voz trêmula eu disse: “Eu também perdi alguém! Entendo
sua dor. A minha me dilacera todos os dias de minha vida”.
Sem buscar maiores informações de meu passado, ele apenas me deu um
abraço e disse que dormiria no sofá e que eu poderia dormir em sua cama.
Recusei, mas de nada adiantou! Limpei as lágrimas que não me faziam uma visita
por longos meses, e peguei os cobertores e o travesseiro que já estavam sobre a
cama e me preparei para dormir. E antes mesmo que eu pudesse fechar os meus
olhos, a porta se abriu e Hugo entrou. Disse que já conhecia minha história através
de Laura – aquela danadinha! – e que se identificou comigo antes mesmo de me
conhecer. Sentou-se na beirada da cama, segurou minhas mãos e disse: “A minha
vida por um bom tempo se encontrava na escuridão, só que eu não quis mais
ficar lá. Decidi então sair, e agora estou disposto a recomeçar. E esta noite
me provou que isso é possível. E eu só gostaria de saber se eu poderia tentar
fazer isso com sua ajuda. Posso?”. Não o respondi com palavras, não saiu de
minha boca sequer um som. A minha resposta estava no encontro de nossos lábios.
E aquela noite mudou toda a minha vida... para sempre!”
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