"Não ouço barulhos externos,
sequer o som da minha própria voz. Ouço apenas a única canção que me faz
chorar. E em meio a tantas sensações, avistei – todo de azul, mas em tons
diferentes – uma pessoa parecida comigo. Um homem, um pouco mais velho, mas sua
aura era idêntica à minha. Eu pude sentir suas dúvidas, seus anseios. Mas o que
me chamou mais atenção foram seus olhos. Eles demonstravam tristeza e
distância. Daria tudo para chegar diante dele e dizer: eu sei o que você está
sentindo! Mas o encontro de nossos olhos dispensou qualquer comentário. Digo
mais, qualquer intenção que eu tivesse de me expressar.
Agora percebo que todas as
janelas estão abertas. O calor se foi, mas as lágrimas não. Elas estão
contidas, esperando o momento propício para caírem sobre meu rosto. As luzes me
cegam, os olhares também. Está tão aparente assim minha solidão? O rapaz de
azul saiu pelas portas centrais do ônibus. O sinal tinha sido apertado por ele.
Não percebi! Queria observá-lo mais um pouco, na esperança de reconhecer nele a
minha própria imagem.
Ele se foi e cada passo ao descer
as escadas era como uma faca penetrando minha alma. Era a certeza de que, assim
como eu, muitos outros encontravam-se perdidos. Seria egoísmo se eu esboçasse
um sorriso? Seria um crime sentir-me aliviado por saber que há mais integrantes neste barco que veleja por águas tortuosas? Junto a tudo isso tive a certeza de
que não haveria respostas para mim.
Aproxima-se meu ponto de parada. Ao
menos há algo claro e objetivo diante de tantas conjecturas. Um ponto de ônibus.
Algo estático. Que serve também como ponto de partida e, às vezes, para destino
algum."