sábado, 7 de setembro de 2013

Vazio


Era tarde. Tudo o que ela sentia era o vazio da noite que se misturava agora ao seu vazio interior. Lágrimas caíam por motivos que ela tentava encontrar, mas nunca obtivera sucesso. Angústia, tristeza, raiva e mágoa eram as únicas palavras que faziam parte de seu extenso vocabulário. Sim, estava imersa pela dor que até há alguns dias encontrava-se inexistente. Neutralidade era o que a preenchia. Pela primeira vez se sentia incapaz de ser atingida ou mesmo de sentir a dor que tanto lhe fazia companhia nas horas de escuridão.

Parecia improvável! Ela estava tão segura de si, tão confiante de que aquela era a maneira na qual precisava viver. Outrora os antigos amores eram vistos como ponte para sua maturidade, para o instante de sua realidade. Passaram a serem vistos como um borrão, uma mancha que não sai, que está ali impregnada. Pois ela tinha voltado ao começo. Meu Deus, voltou à estaca zero. E toda postura adotada para não se ferir fora inútil, porque a sensação que percorria seu corpo não era inedita. Sempre estivera ali, mas não havia sido despertada.

Chovia lá fora. As suas mãos tocaram, por fora da janela, as gotas que caíam. Não era apenas ela que chorava aquela noite, o céu também estava triste. Talvez porque estivesse sendo complacente ao seu lúgubre estado. Um calor a invadiu e aquela moça despiu-se com a intenção de se sentir liberta, livre das amarras. Ela acreditava ser o primeiro passo antes de despir a parte mais difícil: sua alma. Ela queria, necessitava, implorava para que a água da chuva pudesse lavá-la por inteiro. Mas não ousou sair porta afora. Simplesmente avistou um banquinho no corredor e sentou-se, recostada à parede fria e escura. De fato não havia nada, não havia ninguém. Era árduo aceitar, mas ela estava novamente sozinha com sua dor.

terça-feira, 30 de julho de 2013

(In)completude


Cheguei à conclusão de que é impossível mudar o que somos. Por mais que tentemos adotar uma postura que nos defenda das decepções da vida, lá no fundo, bem no fundo, tudo o que a gente quer é ser reconhecido de alguma maneira. Talvez pelo nosso timbre de voz, por um tom humorístico que, porventura, possa fazer parte da gente. Quem sabe por um perfume característico ou gestos que entreguem nossa insegurança diante de situações que não estamos preparados para vivenciar.

Se alguém nunca passou pelo que estou prestes a citar, espero então que nunca passe. Verdadeiramente é uma confusão daquelas! Há algo que não sai da minha cabeça, que permanece aqui martelando sem parar. Por que muitas vezes não nos sentimos o suficiente para ninguém, nem para nós mesmos? Afinal, o que é o suficiente? O que deveria ser o suficiente? Uma pequena parcela daquilo que somos capazes de oferecer ou tudo o que achamos necessário oferecer? Ou, ainda, fornecer tudo o que há em nós e até o que não temos? As dúvidas, como sempre, pairam sobre mim.

Já não cabe, em certas perspectivas, acreditar que haverá um sentimento mútuo quando tudo o que se tem são divergências. Estas moldam-se em pequenos detalhes que, no fim, fazem toda diferença. E só fazem porque nos leva de volta à indagação. Para deixar mais claro essas ideias inconclusivas, esboçarei o plano maior desse labirinto sem fim. Já se sentiu amado e, no entanto, não foi capaz de corresponder? Já amou, mas não foi correspondido? É isso! Por que parece que sempre existe apenas o meio termo, a metade do caminho, a balança desnivelada? Por que não a completude? Embora haja algumas respostas, nada mais que particulares, a respeito de tais questões, a verdade é que nada responde o desejo do agora, da instância em que falo ou escrevo. O desejo ardente de fazer valer tudo aquilo que temos guardado com tanto apreço. Mas vamos nos resumir ao “tudo tem seu tempo”. É cômodo e nos faz acreditar que algo bom está à nossa espera.

domingo, 2 de junho de 2013

Palavras Inexistentes


"Ele não sabia por onde começar e pensava antes de escrever cada palavra. Aquele momento exigia inspiração e era exatamente o que lhe faltava. O receio em utilizar um discurso tão repetitivo era presente, mas a ânsia por ser compreendido sobrepunha tudo o que já fora dito. Sempre existe uma fuga. A dele encontrava-se nas palavras. Estas possuíam um poder que ele sabia existir e que mais uma vez seriam suas aliadas.

Esse ser outrora tão ingênuo e que jamais imaginou que o amor poderia bater à sua porta, encontrava-se agora em plena consciência da realidade. Realidade que fere, que se assemelha à uma faca de dois gumes. Falar sobre o amor era um assunto que já não cabia, que o deixava inquieto e ao mesmo tempo trôpego. Mas como não abordar um sentimento que está em nós? Encontra-se em cada esquina, em cada gesto de carinho, em cada toque dos lábios, em cada olhar, em cada encontro. Era cruel admitir, mas a felicidade alheia já o incomodava. Não por inveja, mas por ver tão distante essa possibilidade em sua vida.

Nunca seremos jovens demais para amar, para nos sentirmos desejados e alcançarmos tudo aquilo que julgamos necessário. Porque o necessário é um ponto de vista profundamente particular. Apenas nós mesmos sabemos onde a ferida dói e até que ponto estamos dispostos a aceitá-la. É exatamente em seu momento de maior amargor e tristeza que a felicidade decide entrar em cena. Por quais motivos até ele desconhecia, mas já via tudo aquilo como algo que precisava coexistir com seus sentimentos. No fundo ele acreditava que cada um possuía o que merecia. E se o que ele merecia era a solidão, então não havia mais nada que pudesse fazer a não ser aceitá-la. Tudo tem o seu tempo já não era mais uma frase que o satisfazia ou que o alimentava. A fome permanecia e nada podia saciá-la. Os amores verdadeiros só eram reais em seus sonhos, porque eles eram exatamente o reflexo de seus desejos. Mas desejos são apenas vontades e de vontades ele já estava farto."

quarta-feira, 1 de maio de 2013

Prisão Sem Muros



"Estou evitando olhar para você. Embora eu faça isso, ainda ouço o tom da sua voz ecoando pela sala lotada e alcançando não só os meus ouvidos, mas o de todos. Sua figura me desconcerta! Mesmo no escuro sou capaz de sentir sua presença, perceber seus passos em direção à porta, sentir o seu perfume. Constantemente lembro-me do seu abraço. Tentei fazê-lo durar uma eternidade, mas sei que acabaria em segundos, enquanto eles observavam. O que mais me dói é perceber que você será apenas uma passagem, a lembrança de um amor que jamais se realizaria. Sei que você voltará para suas viagens excêntricas, para suas paixões fugazes e eu permanecerei em meu fantástico mundo da imaginação, tentando acreditar que um dia serei digno de ter alguém como você.

Os finais são sempre os mesmos, o que altera é o percurso. Não posso ser injusto e dizer que não tive momentos de lucidez. Seria muita imaturidade fingir que apenas me embebi de uma paixão venenosa. Mas foi buscando sinais, tentando observar um olhar diferente ou mesmo um afago que construí uma nova perspectiva dentro de mim mesmo. Perspectivas vãs que nada tem clareado o meu caminho, mas antes o obscurecendo ainda mais.

Está chegando ao fim. Sei que você já percebeu uma mudança em mim e, por eu ter plena consciência dessa verdade que agora se instalou, meu coração se dilacera. Mas, querido, se você pudesse ler minhas palavras e entender o que se passa dentro desse receptáculo vazio, a razão que eu sempre me dei por me refugiar na frieza seria a mesma que você daria se estivesse em meu lugar. Mas você não está e isso me alegra. Não sei se você já se sentiu em uma prisão sem muros, mas garanto-lhe que não é a melhor das sensações. Esse é o momento em que toda minha felicidade se esvai, mas com ela também se vai todas as tristezas e o que recebo em troca é um estado anestésico. Não sentirei dor, mágoa, melancolia. Apenas sentirei o nada, se é que é possível senti-lo. E talvez haja um recomeço, mesmo que recomeçar não tenha sido começar a ser, mas continuar não sendo."

terça-feira, 16 de abril de 2013

À Espreita


"Ele voltou! Eu sabia que estava por aí, à espreita, esperando uma oportunidade para me ver limpo, curado, totalmente nu. Ele sempre retorna de maneiras diferentes. Às vezes há algo dessemelhante no olhar, outras é no tom doce da voz e também há o sorriso, que pode ser confiante ou mesmo tímido. Desta vez demorou um pouco mais, mas foi o tempo suficiente para que meu coração se apaziguasse. Confesso que ainda não estou preparado para esse reencontro e nem sei se é mesmo necessário. Mas é que ele tem o poder de me regenerar, de me levar a um estado de espírito do qual eu não consigo expressar em palavras a sensação que me domina. Apenas sinto e, por ora, isso é o suficiente.

Eu adoraria desvendar qual é a sua verdadeira faceta, mas ela ainda é um mistério para mim. Há momentos em que parece ser lindo e com a capacidade de apagar todas as feridas já desenhadas pelo meu corpo. Já em outros, parece ser perverso. Com um aspecto peculiarmente mordaz e que demonstra ser mais forte que a sua primeira feição. Porém, algo é inegável! Sua imponência é invejável e, por mais que eu tente, não consigo me livrar de sua persuasão. É como se fosse o canto da sereia, que atrai todos aqueles seres ínfimos. Porque é exatamente assim que me sinto em determinados momentos, ínfimo, vil, vulgar e muito fraco para não aceitá-lo de volta.

Tenho plena consciência de que ele conhece cada pedacinho de mim. Já é um hóspede que há muito frequenta minha moradia. Ainda não consigo perceber se um dia ele irá se instalar definitivamente. Acontece que, de certa forma, já não me surpreendo mais com suas idas e vindas. O tempo se encarregou de me mostrar que não perdemos aquilo que não temos e o que é para ser nosso, em algum momento dessa história, apenas será. Muitos o chamam de invasor, mas eu prefiro chamá-lo de AMOR."

terça-feira, 26 de março de 2013

Diário de Uma Catarse


Sábado, 03 de Novembro de 2007

Querido diário,

Esta é a primeira vez que escrevo em suas páginas. Ao contrário de Deus, escreverei errado por linhas retas. É estranho expor tudo o que se passa dentro do meu coração em letras cursivas. Mais estranho ainda é não ter alguém para me ouvir, sendo necessário um desabafo sobre um objeto inanimado. Mas é a minha maneira de escapar, de me refugiar de uma realidade que está ao meu redor e que insisto em fingir que está do outro lado dos muros.

Preciso confessar que, às vezes, forço um choro na esperança de que uma lágrima represente a minha tristeza. Necessito de uma prova, uma prova palpável de que todo esse rancor seja real e não algo da minha inútil memória. Meus amigos, se é que posso chamá-los assim, têm seus próprios problemas e não suportam carregar um peso a mais. Por isso, guardo dentro de mim minhas inúmeras indagações. Não seria justo despejá-las sobre eles, seria? Eles parecem não pensar o mesmo, pois sempre os ouvi e nunca houve reclamações da minha parte. Acho, inclusive, que ouvi-los faz com que eu me esqueça dos meus demônios particulares.

Recentemente, revi através de uma foto um colega que, mesmo distante, se fazia presente. Senti saudades. Mas houve um desentendimento entre nós e meu orgulho é tão grande que não sou capaz de pedir desculpas. Tenho a sensação de que vou me sentir subtraída, insignificante. Tudo não passa de egoísmo, eu sei. Afinal, sou humana e essa característica tem sido minha desculpa para não voltar atrás.

Também quero falar dos amores, querido diário. Às vezes sinto que o mundo se esqueceu de mim. Por trás do meu sorriso há muito mais do que ele possa aparentar. É querer muito que alguém me enxergue como verdadeiramente sou? Tenho tanto a oferecer a um verdadeiro amor. Há tantos poemas que eu gostaria de ler, tantos cafés-da-manhã que eu gostaria de passar tomando um chocolate quente e comendo torradas e também há abraços e beijos que, carinhosamente, eu adoraria oferecer. Porém, tudo isso parece tão distante de mim.

Estou envelhecendo. Minhas mãos já não são as mesmas e percebo isso ao observá-las no momento em que escrevo. O tempo está correndo e me pergunto: o que será de mim? Tenho medo do futuro. O que ele me reserva é uma surpresa e eu detesto surpresas. Normalmente, nunca são boas. Peço desculpas por escrever palavras tão lúgubres. Queria mesmo poder contar experiências melhores, mais dóceis. Percebe? Até contigo eu me preocupo, Sr. Diário.

No entanto, por hoje é só. Pode “respirar” agora. Prometo não fazer deste pequeno livro um conto de dramas. Já me encontro em um estágio de incredulidade tão avançado que, acredite, não vou te torturar por tanto tempo. Tudo tem um fim. Como eu sempre digo: não há inferno que dure para sempre. O meu está prestes a terminar. Ainda assim, obrigada por me receber em suas linhas.

De sua grata e não tão feliz,
Lílian.

domingo, 17 de março de 2013

Rascunhos



"Ele era um personagem sem nome, sem características, sem futuro. Arrisco dizer que ele era menos que isso. Um esboço, talvez. Mas feito com toda a fúria de um coração ferido. Os traços eram disformes, não faziam sentido. Nem se observado de perto, muito menos à distância. Ele era um reflexo do desprazer, da solidão, do nada.

As mãos estavam trêmulas. Lágrimas caíam sobre o desenho ainda incompleto e borravam a tinta preta. Foi necessário, foi proposital. Tinha que haver a marca da dor. Não só no traçado forte da caneta, mas também em seu desfoque. Não conseguiríamos enxergar a cor dos olhos ou da aura. Sequer saberíamos se continha ali um sorriso. Tudo o que era necessário era a vontade incontrolável de expor todo aquele sentimento em um papel. Papel esse que fora amassado, arremessado ao lixo, mas que por um impulso fora resgatado, a fim de que tudo aquilo tivesse uma conclusão. Mesmo que houvesse um fim sem um fim.

A música agora atingia seu ápice. Era tocante, forte, contundente. Era a trilha sonora perfeita para aquela arte. Arte? Depende do ponto de vista. Para ele, esse ser insignificante, todos os esforços foram utilizados. E a página em branco agora chamava sua atenção. O que fazer? Esboçar ainda mais o escuro ou reinventar, utilizando novas cores, personagens mais aprazíveis?"

quinta-feira, 14 de fevereiro de 2013

Amores vêm e vão, mas nunca vêm em vão



"Por mais que eu soubesse quais eram as consequências, decidi arriscar. Sempre me pergunto se as decisões que tomo são boas ou ruins, mas - independente da resposta - o que prevalece é o que realmente quero. Até aqui, tantas foram as vezes que acreditei naquela frase: “agora vai!”, mas nunca foi e nem sei se um dia irá. Agora entro na fase da abstinência. Sim, o deslumbre também é uma droga e ele sempre me vicia, mesmo quando acredito estar curado. E como toda abstinência, sei que vou sofrer, mas também sei que um dia ela acaba. Até começar tudo de novo.

A vida sempre tem uma maneira de nos mostrar como ela é linda, mas é em sua perversidade que ela se mostra mais eficaz. Digo isso não como alguém que tem uma visão ruim de um todo, mas como alguém que enxerga a verdadeira essência. Continuamente avalio minha existência e em uma última visita percebi que há coisas que simplesmente não são para ser. Temos que nos contentar com o que nos é dado e, talvez, esperarmos por algo que julgamos melhor. É incrível perceber o quanto dependemos do outro. Por isso, tenho me sentido no direito de me permitir não sofrer por ocasiões que não exigem de mim nenhum esforço.

É coerente pensar que sou um masoquista. Afinal, passei por situações que eram exatamente iguais em seu início e em seu fim. A dor agora é diferente. Não é tão dilacerante como as outras vezes. Desta vez é uma dor consciente, mais culpada. Porque antes havia a inocência e hoje há a realidade. Realidade cruel que insiste em me invadir e me chamar para um passeio. Não sei o que represento, não sei aonde pertenço. Se há algum lugar para mim, espero encontrá-lo logo."

terça-feira, 29 de janeiro de 2013

Olhares




"Olhares, não passa de simples olhares. Profundos, distantes, displicentes, indecentes. Há os azuis, verdes e castanhos. O que eles querem dizer? Estão por toda parte. Estão no momento de espera, no trajeto para a diversão ou para a responsabilidade. Ah, mas os olhares sempre serão uma incógnita para mim! Mas no momento eles dizem o que quero enxergar, o que necessito sentir. Às vezes é necessário mascarar a verdade. Às vezes há a verdade, mas para mim é mentira.

Já sei que jamais verei aqueles olhos de novo. Acabou! Foi árduo vê-lo partir, ainda mais de perfil. Seria muita inconveniência da minha parte se eu me virasse. Então deixei que o perfume fosse a última coisa que eu sentiria daquele momento. As portas se abriram, automaticamente. Só foi necessário dois passos para que aquela alegria de 20 minutos acabasse ali. Mas minutos atrás, eu me senti o último homem da face da Terra. Me senti desejado por olhos tímidos, que receavam me olhar por medo dos outros olhos incriminadores. Não há nada de errado em apreciarmos alguém, há? E mesmo que ele não soubesse, eu também estava em êxtase. Eu sabia que duraria pouco, mas nesse pequeno espaço de tempo eu me senti feliz. E mais do que feliz, notado.

Apesar dos encontros e desencontros desses olhares vespertinos, houveram muitas mudanças em minha vida e elas têm me beneficiado. A última palavra utilizada para me definir foi: intrigante. Será que sempre fui ou adquiri? Não sei ao certo, apenas que as coisas agora estão caminhando bem. No entanto, ainda há grandes responsabilidades que pairam sobre mim.

Tudo que eu queria era esquecer o longínquo e me ater ao ínterim. Gostaria de voltar ao tempo só para ter aqueles olhos sobre o meu. Só mais uma vez!"

quinta-feira, 27 de dezembro de 2012

Águas Tortuosas



"Não ouço barulhos externos, sequer o som da minha própria voz. Ouço apenas a única canção que me faz chorar. E em meio a tantas sensações, avistei – todo de azul, mas em tons diferentes – uma pessoa parecida comigo. Um homem, um pouco mais velho, mas sua aura era idêntica à minha. Eu pude sentir suas dúvidas, seus anseios. Mas o que me chamou mais atenção foram seus olhos. Eles demonstravam tristeza e distância. Daria tudo para chegar diante dele e dizer: eu sei o que você está sentindo! Mas o encontro de nossos olhos dispensou qualquer comentário. Digo mais, qualquer intenção que eu tivesse de me expressar.

Agora percebo que todas as janelas estão abertas. O calor se foi, mas as lágrimas não. Elas estão contidas, esperando o momento propício para caírem sobre meu rosto. As luzes me cegam, os olhares também. Está tão aparente assim minha solidão? O rapaz de azul saiu pelas portas centrais do ônibus. O sinal tinha sido apertado por ele. Não percebi! Queria observá-lo mais um pouco, na esperança de reconhecer nele a minha própria imagem.

Ele se foi e cada passo ao descer as escadas era como uma faca penetrando minha alma. Era a certeza de que, assim como eu, muitos outros encontravam-se perdidos. Seria egoísmo se eu esboçasse um sorriso? Seria um crime sentir-me aliviado por saber que há mais integrantes neste barco que veleja por águas tortuosas? Junto a tudo isso tive a certeza de que não haveria respostas para mim.

Aproxima-se meu ponto de parada. Ao menos há algo claro e objetivo diante de tantas conjecturas. Um ponto de ônibus. Algo estático. Que serve também como ponto de partida e, às vezes, para destino algum."

sábado, 15 de dezembro de 2012

Dias de Glória



“Já se passaram alguns dias sem você e continuo sozinho nesse quarto com paredes vermelhas. A luz agora começa a piscar, parece que ela vai se apagar por completo. Será que eu poderia compará-la à minha vida? Depois de uma longa existência na luz, sinto que a escuridão tomará conta mais uma vez. Porém, essa escuridão da qual me refiro não é algo a ser levado por um ponto negativo. Desta vez ela é necessária. Porque só assim, sem vislumbres, sem sons externos, sem ser incomodado, poderei ter um encontro comigo mesmo. E pretendo sair dele de mãos limpas e de coração aberto.

Quando nossa casa está desorganizada, costumamos dizer: Não repare a bagunça! Assim está minha alma. Assim está o meu coração. Mas não quero dar desculpas, não quero esconder a sujeira por debaixo do tapete. Já fiz isso tantas vezes e agora não tenho mais condições de maquiar qualquer situação que seja. Chegou a hora de fazer a faxina. E como sabemos, uma boa faxina leva tempo e, mais do que tempo, dedicação para que não haja sequer um resquício de poeira.

Tenho me apegado a coisas e pessoas que me fazem bem e me distanciado daquilo que traz péssimas lembranças. Pode ser egoísta dizer isso, mas a distância de certas pessoas nos proporciona um bem inimaginável. O tempo não curou as feridas da vida. As marcas permanecem aqui para serem observadas e para lembrar-me quem fui e quem agora eu sou. Envelhecer tem seus pontos positivos. Enxergar-se mais maduro e capaz de analisar a vida como ela verdadeiramente é, nos safa das muitas armadilhas plantadas no caminho. Mas também nos tira o brilho de uma vida que, idealizada por nossos sonhos, era muito mais bonita. Perdemos o encanto e não fazemos mais parte de um história com final feliz.

No percurso até aqui aprendi, chorei, desaprendi, fingi não me importar para não me sentir só, sorri, dancei, caí e me levantei. Mesmo aqueles que vencem uma corrida, precisam retornar ao ponto de partida para tentar vencer de novo. E assim é a vida. Há dias de glória, há dias de névoa. Mas continuar é preciso! Ninguém disse que seria fácil.”

terça-feira, 11 de dezembro de 2012

Otimismo


"Não quero mais procurar entender porque certas coisas acontecem à minha vida. Toda vez que procuro respostas eu fico ainda mais triste e cansei de tentar chorar para aliviar a dor. Acho que o que está faltando em mim é ter novas perspectivas, é acreditar e me sentir merecedor do melhor. Talvez em algum momento eu consiga.

As decepções têm sido constantes e já não sei como lidar com essa situação. A impressão que tenho é a de que sou culpado por algo ou que estão fazendo algum tipo de brincadeira de mau gosto. Quando pareço alcançar algo bom, tudo desmorona em cima de mim mais rápido que essas boas coisas que surgiram.

Estou tentando ser otimista e acreditando que são apenas fases. Talvez sejam mesmo. Agora mais do que nunca preciso me encontrar de novo, preciso extrair de mim a força que sempre possuí. E tenho certeza que vou conseguir. Porque eu nasci para ser feliz, bem como proporcionar essa alegria. Sinto que alguém um dia reconhecerá o meu valor. Por isso, mais uma vez vida... aqui vou eu!"

domingo, 28 de outubro de 2012

Além de Mim



"A primeira vez que fui verdadeiramente amado, eu não amei. Quando recebi um abraço sincero, não senti aquele calor típico. Quando fui beijado com intensidade, eu estava vazio. E neste quadro no qual eu me encontrava, em um momento de ausência do outro ser que possivelmente me completaria, observei duas pessoas que se amavam. Eu consegui sentir, do local em que eu estava, a essência daquela paixão. Tive inveja, desespero, indagações. Inveja porque eu almejava algo parecido, desespero porque o tempo passava e indagações porque nunca me senti merecedor do amor.

Naquela noite interrompi mais um sonho, mas um sonho que não era meu. Não poderia entrar por aquela porta que agora se abria diante de mim. Seria injusto! E a fechei, sem hesitar. E só não senti tristeza por fazer alguém chorar, porque entre o meu bem estar e as conjecturas do outro, sempre fiquei com a primeira opção. Agora o que restou foi o que sempre resta dessas situações. A distância. Os interesses de outrora se foram, as mãos entrelaçadas se desfizeram e por fim os olhos nos olhos encontram-se em um quarto escuro. Afinal, o que foi tudo isso? Amor? Acho que não!"

domingo, 14 de outubro de 2012

Sensações



"Sinto medo de ser feliz. Não sei o porquê, mas sinto. E isso tem ficado forte a cada dia. Sensações estranhas têm se passado em meu coração e também em minha alma. Posso tentar descrever o que está acontecendo, mas não posso garantir que serei bem sucedido nessa explicação. O que sinto é algo parecido com saudade. É uma nostalgia tão forte, tão imensa, que meus olhos chegam a transbordar de lágrimas. É como se eu estivesse em meus últimos momentos e dentro de mim eu soubesse que muito do que pretendo alcançar, simplesmente não será alcançado.

É estranho, eu sei. Mas é difícil tentar explicar algo que só você sente, que só você teme. Tenho vislumbres do que poderia me fazer feliz, mas há uma barreira que me impede de ir além. E ao invés disso, só resta a lembrança de algo que poderia ter sido bom. Agora entendo o que é ter saudade daquilo que eu não vivi. E essa felicidade é tão real que o que me faz permanecer de pé é a vontade de atravessar tudo isso. Não estou apavorado, não! A sensação é de conformidade.

De qualquer maneira, acredito no seguinte: chegamos até onde devemos chegar. Não cabe a mim ou a você dizer o que seria melhor ou mais coerente. Apenas viva! Viva e faça cada instante ser único. É o que tenho feito. Mas se meu corpo vir a falir e eu for requisitado pelos anjos, não se preocupem, estarei bem. E acreditem ou não, estarei observando vocês. Nem um encontro é por acaso. Nem o meu com vocês, nem o de vocês com outras pessoas. Simplesmente era para ser e tenho certeza que aprendi muito, talvez tenha ensinado também. Mas o que vai ficar para sempre é o amor e este, meus queridos, a sábia morte levará junto a mim."

sábado, 29 de setembro de 2012

Desapego


"Quem diria que chegaríamos a esse ponto. Não sinto mais aquele calor dentro do meu peito ao ler suas mensagens. Não me sinto impactado por suas ligações fora de hora. Inclusive já me confundo com o seu nome diante de tantos outros iguais ao seu. Definitivamente sou outra pessoa, porque há alguns anos minha atitude em relação a episódios típicos como esse seria de desespero. Podem me chamar de frio, mas prefiro dizer que estou acordado. E ao contrário dos contos infantis, nenhum beijo me acordará da morte. Tornei-me impassível às dores, ao sofrimento. Estou anestesiado por essa vida que sempre me olhou com os mesmos olhos, e mal sabe ela que agora sou eu quem a vejo de um jeito diferente.

Quero que saibam que não me encontro mais em bifurcações. Sei bem o caminho que estou tomando. E apesar de não saber o que encontrarei no final dessa estrada, não me surpreenderei se não for algo divino. Mas acreditem, ainda espero um final feliz. Não sou nenhum monstro, não perdi meus dons e nem mesmo a humanidade. Simplesmente acordei do coma... e demorou. Ainda tento me apegar aos momentos em que estivemos juntos. Tento relembrar do sabor do seu beijo, das carícias, do toque de mãos, do seu cheiro, dos meus pés nas pontas dos dedos pela minha estatura não tão favorecida. Mas tudo isso não tem sido o suficiente. Tenho me esforçado, eu juro! Porém, está sendo mais forte que eu. Perdoe-me se eu te esquecer ou mesmo se nada mais fizer sentido. É que estou me desapegando e essa atitude foi a única que deu certo em toda a minha vida, em todas as ocasiões. Não é o momento de dar adeus, porque ainda não é chegado o fim."

domingo, 23 de setembro de 2012

Nostalgia



“Não consigo dizer se ter enxergado o mundo como ele realmente é foi algo bom. Às vezes penso que ter ficado na ignorância era a melhor saída. A cegueira se foi e agora vejo-me em uma profunda nostalgia. Sinto falta daquele menino que eu era. Sonhador, esperançoso e que acreditava no amor. E foi esse amor que me traiu, que me fez ver que eu me encontrava em uma fantasia. Agora estou aqui, no mundo real. Mas ainda me pego vislumbrando pedaços daquele mundo em que eu vivia. Pedaços sim, porque tudo desmoronou. Mas não me machuquei, foi mais um susto mesmo. Tente entender, é como se fosse um quebra-cabeças. Só que neste as peças não se encaixam, ficam sozinhas, sem um par, embora eu consiga relembrar através delas a imagem que anteriormente existia.

Esses dias mesmo eu estava em um ônibus e ao olhar pelo vidro da janela avistei uma van, na qual havia uma criança. Ela olhou para mim e sorriu. Após o belo sorriso, um aceno de mão foi seu último ato. Pois saibam que eu retribuí o sorriso, bem como o aceno. E são estes pequenos atos que me fazem acreditar, mesmo que por um breve momento, que o bem ainda está em meio a tanta maldade. A alegria dessa criança me fez chorar, me fez entender e ser entendido. Mas agora os dias estão frios, minha cama está fria, meu corpo está frio, minha alma também. Jamais pude imaginar que um dia eu chegaria a esse ponto. Mas cheguei. Peço desculpas se sou incapaz de ser como eu era, e por ter desacreditado em mim. Estou desaparecendo com essa névoa que me encobre. Estou me tornando uma lembrança longínqua. Espero que o seu destino não seja como o meu. Espero que você continue nesse labirinto que reside seus mais lindos sonhos, e torço para que ele não tenha uma saída."

quinta-feira, 6 de setembro de 2012

Onde Está a Dor?



“Faz muito tempo que não sinto mais a dor. Aquela dor do abandono, de não ser lembrado, ou amado por tudo que sou. Existe um grande abismo entre o que eu quero, e o que a vida quer para mim. Hoje sei que eu não estou à frente de nada! Meus desejos e planos não se alinham ao que alguém maior que eu traçou. Não sei se estou desistindo do que sou, para me moldar a uma realidade cruel demais para as minhas concepções. Mas eu preciso viver! Necessito amar, me entregar, ser tocado, mesmo que toda a minha existência se resuma a um momento de ilusão, contados pela areia de uma ampulheta. Sinto-me mais forte e ao mesmo tempo frágil. Forte porque a realidade agora não me abala. Ela não tem o poder de me assustar ou ferir. E frágil porque quando você se torna algo que não é, sua integridade é lançada à lama. Uma das últimas frases que ouvi foi: “Você é uma pessoa incrível!”. E o engraçado é que essa mesma frase foi utilizada por várias pessoas. Incrível... é isso mesmo que ouvi? Mas me pergunto: se sou tão incrível assim, por que as pessoas não aceitam o que eu posso oferecer? Então, chego à conclusão de que esse adjetivo não deveria ser dirigido a mim.

Compreendo que não criar expectativas em relação às pessoas é a melhor maneira de não se machucar. Mas a verdade, a única verdade é que eu não consigo! Sou intenso, sou tudo, sou nada. E mesmo calejado, porque sei que no fim poderei ter uma grande decepção, continuo acreditando nas pessoas. Afinal, elas não são diferentes? O que me alivia é que sempre resta alguém para segurar minhas lágrimas e me dizer que nem tudo acabou. Esses são os verdadeiros, aqueles em que você realmente pode confiar e que valeu à pena toda a sua expectativa em cima deles. Mas, acima disso tudo, eu preciso acreditar que há algo bom à minha espera, que alguém – assim como eu – pensa de maneira parecida, e que essa pessoa está à espera de nosso encontro. Estou esperando, mas confesso que isso tem me matado. Pode ser também que não haja nada para mim aqui. Talvez minha função seja outra. Sempre me imaginei como um anjo, que socorre os necessitados. Mas apenas isso! Porque os anjos não podem amar como os humanos. Será que sou um deles? Não sei! Só sei que não viver em mundo de expectativas me dilacera, me entristece. Deixem-me acreditar, deixem-me sonhar. Não me acordem! Porque posso não sair vivo desse universo que é meu escudo e minha proteção contra a amargura daqueles que já desistiram.”

segunda-feira, 27 de agosto de 2012

Sentimento Ininterrupto



― Alô?
― Não esperava ser atendido assim.
― Ah! É você Eric?
― Percebo que você não possui mais o meu número em sua agenda telefônica.
― Não, não mais!
― Fui tão cruel assim?
― Foi o mais sensato! Levo muito a sério a palavra fim. Desfaço-me de tudo que me liga ao passado.
― Suas palavras me machucam.
― Não mais do que você me machucou.
― Estou ligando porque eu queria te reencontrar, olhar para os seus olhos e dizer o que aconteceu.
― Já se passaram três anos e hoje sou madura o suficiente para entender que você simplesmente não me quis.
― Eu sempre a quis! Por favor Lisa, deixe-me te explicar o que ocorreu dentro de mim.
― Agora é tarde! Não complique minha vida. Atualmente sou casada. Estou esperando um filho.
― Um filho? Você está mesmo grávida?
― Não tenho motivos para mentir, ainda mais com um assunto sério desses.
― Pensei que um dia eu fosse ter filhos com você.
― Pois é! A vida é injusta, não? Ou melhor, justíssima! Não me arrependo de nada que fiz da minha vida. Nem mesmo ter me envolvido com você. Tudo é um aprendizado. E ao contrário do que você possa imaginar, não lhe tenho ódio.
― Sei que não. Acredito que muitas coisas estão se passando em sua cabeça, mas me dê apenas a chance de lhe dizer algo.
― Vá em frente. Esta é a sua chance!
― Não por telefone! Quero te ver.
― Então guarde para si tais palavras. Te ver está fora de cogitação. Estou sendo educada em conversar com você por telefone depois de todos esses anos.
― Tudo bem! Se esse é o único jeito, vou utilizá-lo para dizer o que preciso.
― Então... Do que se trata?
― Lembra-se do dia em que estávamos em meu apartamento, e lhe contei o segredo que acabou colocando em risco o nosso amor?
― E tem como eu me esquecer?
― Não tem. Fui tão burro! Você entendeu minha posição, me perdoou e me deu a chance de recomeçar.
― E o que você fez Eric?
― Te abandonei, fui frio, tentei me esquecer de você. Mas não foi possível! Fiz a escolha errada.
― Sim, você fez e agora é tarde demais para voltar atrás.
― Talvez seja, mas necessito ficar em paz comigo mesmo. A verdade é que eu me afastei porque a culpa pelo meu pecado foi muito mais forte que eu. Eu não podia permanecer ao seu lado sabendo o quão incrível você era. Você não merecia e eu não podia me perdoar. Mas agora sinto-me livre.
― Não cabia a você julgar o que seria melhor, mas sim a mim. Eu já havia lhe perdoado. O seu erro não me atingia, não seria capaz de destruir o que eu sentia por você. Mas a sua indiferença conseguiu. Eu estava preparada, e você fez a sua escolha mesmo sabendo que eu sempre estivera ali. A mulher que você conheceu não existe mais! Utilize sua sensação de liberdade e recomece uma nova vida. Torço por você, mas não me encaixo mais em sua história.
― Então... Este é o fim?
― Ou o começo... Só depende de você. Adeus!

quarta-feira, 22 de agosto de 2012

Renúncia



“Assim como um dia não é igual ao outro, uma dor também não é. Não tenho receio de cair na mesmice, ou mesmo de parecer piegas. Estou me sentindo sozinho e preciso desabafar. Começo dizendo que eu amo a madrugada. Só consigo ouvir o barulho do vento balançando as folhas do abacateiro, o bater de asas de uma coruja, e visualizar meus sentimentos sendo colocados sobre a mesa. Já tentei tantas vezes compreender o que se passa dentro de mim. Exijo aquilo que não posso ter, tenho dificuldades para entender que a opinião do outro influencia totalmente em meus desejos. Gostaria que fosse do meu jeito, mas quem não quer? É... o mundo não gira em torno de mim. Ser carinhoso é uma característica que possuo, e procuro utilizar essa qualidade para com aqueles que julgo dignos dela. Mas não recebo em troca o que eu forneço. Ao menos não da maneira que eu queria e merecia. Uma palavra, um abraço, um “sim” à felicidade faz toda a diferença.

Sabe... eu penso às vezes em desistir, em fechar meu coração, em me tornar em algo que eu nunca consegui ser: indiferente! Mas eu penso que eu estaria sendo injusto comigo mesmo, àquilo que eu sou, e aos meus princípios. Não dá para não levar isso em conta. A vida tem passado tão rápida que sinto medo. Medo de ficar só, de não conquistar metade do que almejo. Será que a vida é mesmo feita para construirmos algo? Será que eu deveria parar de planejar, de me sentir responsável por um futuro que nem sei se estará lá por mim? O que devo fazer, quem devo ser e por que ser? Por quê? Cansei de ouvir e não ser ouvido, cansei de dar tudo de mim e não colher nada por meu esforço. Estou farto dos faróis, das buzinas, da aglomeração, das cores das roupas, da lousa, das folhas de papel, das ligações, das mensagens ilusórias, de tudo! Não é à toa que gosto de finais infelizes. Acho que me vejo em um deles, quem sabe!”

domingo, 19 de agosto de 2012

Recomeço




“Tudo começou com grãos de areia sobre meus pés. De repente, a água do mar limpava-os. O céu estava com um tom azul nunca visto antes por mim. O sol brilhava, e era tão bom sentir aquele calor em minha pele. Então, vi a imagem de alguém que parecia ser minha paixão. Eu podia sentir, pois meu corpo ardia, e meu coração estava acelerado também. Eram sinais, com certeza! Eu apenas não reconhecia o rosto. E essa pessoa me presenteou com deliciosas barras de chocolate. Posso sentir a emoção daquele momento agora mesmo. Pode parecer algo fútil para muitos ganhar barras de chocolate. Mas não se tratava delas, mas sim da intenção. Há muito tempo não me sentia bem quisto. Mas tudo isso foi um sonho, porque até os meus olhos agora inventaram de me trair. Até eles!

Acordei de mais uma noite de sábado, e eu só sabia que era sábado por causa do maldito calendário. Ainda o arranco da parede do meu quarto! Não me interessava saber qual dia era, porque todos eles se tornaram exatamente iguais para mim. Daqui a pouco eu nem saberia diferenciar o dia da noite. Nem relógios eu tinha mais. Apenas o biológico, que até então não falhou e por esse detalhe consigo chegar no horário certo ao trabalho. Ah! Me esqueci do tal do celular. Não tinha como! Por mais que eu tentasse fugir do tempo, ele não fugia de mim. Eram 22h30 e Laura – a única amiga e pessoa que confio – me ligou. Ela quase implorou para que eu saísse da cama e a encontrasse em um pub próximo de sua casa. Tentei resistir. Eu veria a mesma decoração, os mesmos rostos e de quebra ouviria as mesmas músicas. Mas eu devia um encontro a ela, como eu não poderia ir? Impossível!

Levantei-me, tomei uma ducha e coloquei a primeira roupa que eu vi à minha frente. Quando olhei para o espelho, eu estava todo de preto. Dizem que as cores que utilizamos são reflexo de nosso humor. Bom... nem preciso dizer que o meu estava negro, certo? Porém, aquilo não me incomodou. Eu era o retrato da depressão. Só havia uma pessoa que conseguia me tirar por um breve instante desse mundo de tristeza. Isso mesmo! Apenas Laurinha. Peguei as chaves do meu carro, desci do apartamento pelo elevador e me preparei para um percurso de 35 minutos. O som do meu carro tocava alguma música da Enya. Meu Deus! Aquilo era mesmo o fim do poço? Não saberia responder! Cheguei ao local e recebi um abraço tão gostoso da minha amiga. Ela estava deslumbrante com seu vestidinho amarelo, em um lindo contraste com sua pele morena. Cumprimentei seus amigos e me sentei à mesa. Pedi um vinho barato e simplesmente fiquei observando a conversa. Gargalhadas, olhos brilhantes, batatas fritas, carnes, cervejas, beijos, amor. Caraca! Não me lembrava da última vez que vi tudo isso reunido em um mesmo lugar. Eu com certeza era o marciano da mesa.

Foi quando ele apareceu. Não o vi antes porque ele estava no banheiro. Seu nome? Hugo. Não vou descrevê-lo, é melhor imaginar. Peguei em sua mão e o saudei com um “boa noite”. Ele sentou-se próximo de mim. Bem que eu estranhei aquela cadeira vazia. Era de se esperar que tinha um plano de Laura por trás daquilo. O Hugo, junto a mim, parecia outro marciano. Ao menos não me sentia sozinho naquele mundinho. Ele contou-me de sua vida. Quase um relato completo, - eu disse quase - e uma hora chegaria a minha vez. E quando chegou, simplesmente disse: “Desculpe-me, está tarde. Preciso ir embora!”. Sim, eu sou assim. Fujo de tudo aquilo que acho conveniente. Me despedi de todos, Laura agradeceu pela minha presença e prometi reencontrá-la em breve. Fui em direção ao carro, e senti um toque - já conhecido por mim – em meu braço. Te amaldiçoo Hugo! Sorri forçadamente e ele perguntou-me: “Me dá uma carona?”. Não! Eu merecia aquilo. Às 3h da manhã. Não quis ser arrogante, ou melhor, mais do que eu já era. E disse que sim, que eu daria a carona. O silêncio tomou conta daquele automóvel de 4 rodas. Chegamos à casa dele, que gloriosamente era perto da minha, e me despedi. Ele estava com um olhar de “por favor, fique!”, mas fingi não ter visto. Ele se despediu de mim e fechou a porta.

Quando arranquei o carro, a maldição dos 7 espíritos me atingiu. É... a roda furou! Aquilo era demais pra mim. Eu não tinha um pneu reserva, tampouco um macaco e isso tudo às 3 e pouca da madrugada. Foi um prato cheio para o Hugo. Sugeriu que eu dormisse na casa dele e que no dia seguinte eu resolvesse aquilo. Claro que eu poderia chamar um táxi e ir embora. Mas parte de mim queria ficar ali, com ele. Não presto, confesso! E deixei o clima falar mais alto. Entrei em sua casa, linda por sinal, e por incrível que pareça me senti à vontade. Hugo perguntou se eu queria beber algo, e eu disse que um suco estaria de bom tamanho. Enquanto isso fui xeretar os porta-retratos que estavam em uma mesinha de canto. E tinha uma foto dele, abraçado a um rapaz. Quando ele retornou com meu copo de suco em mãos, o perguntei quem era. Nunca fui de bancar o curioso, mas a foto chamou minha atenção. Ele disse sem hesitar: “Esse é meu parceiro. Melhor dizendo: era! Ele faleceu há 4 anos”. Senti pela perda dele, mas tão profundamente, que meu coração parecia sair pela boca. Não consegui conter as lágrimas. Comecei a soluçar em meio àquela sala. Hugo pareceu entender, eu talvez não entenderia. E com a voz trêmula eu disse: “Eu também perdi alguém! Entendo sua dor. A minha me dilacera todos os dias de minha vida”.

Sem buscar maiores informações de meu passado, ele apenas me deu um abraço e disse que dormiria no sofá e que eu poderia dormir em sua cama. Recusei, mas de nada adiantou! Limpei as lágrimas que não me faziam uma visita por longos meses, e peguei os cobertores e o travesseiro que já estavam sobre a cama e me preparei para dormir. E antes mesmo que eu pudesse fechar os meus olhos, a porta se abriu e Hugo entrou. Disse que já conhecia minha história através de Laura – aquela danadinha! – e que se identificou comigo antes mesmo de me conhecer. Sentou-se na beirada da cama, segurou minhas mãos e disse: “A minha vida por um bom tempo se encontrava na escuridão, só que eu não quis mais ficar lá. Decidi então sair, e agora estou disposto a recomeçar. E esta noite me provou que isso é possível. E eu só gostaria de saber se eu poderia tentar fazer isso com sua ajuda. Posso?”. Não o respondi com palavras, não saiu de minha boca sequer um som. A minha resposta estava no encontro de nossos lábios. E aquela noite mudou toda a minha vida... para sempre!”